Esse é pra Rita

Hoje é um daqueles dias que eu (e muita gente) não gostaria que chegasse. Dias em que somos lembrados da nossa finitude; das nossas limitações como seres de carne e osso e de que almas boas e geniais também se vão. Todos os dias, pessoas morrem. Mas têm dias que morrem as nossas pessoas. E quando uma pessoa como Rita Lee vai embora deste plano, a gente confirma, mais uma vez, o poder da arte de transcender tempo e espaço e de atravessar quem somos de maneira quase inexplicáveis. E tudo isso é poderoso demais para eu deixar apenas guardado dentro de mim.

Eu precisava escrever sobre Rita. Precisava deixar registrado o emaranhado de sentimentos que ela me desperta ao pensar em toda a sua arte – começando por quem ela é, passando por tudo o que ela fez e não terminando jamais, justamente pela beleza e força de tudo o que Rita Lee construiu.

O mais bonito disso tudo é saber que foi obra de um manifesto de quem ela soube ser: tão ela mesma. Autêntica, corajosa, audaciosa, louca, profunda, disruptiva. Contrariando tudo o que esperavam de uma mulher, Rita chutou portas, chocou pessoas, desbancou padrões, descumpriu regras, marcou gerações e é figura importante na luta das mulheres por protagonismo e liberdade – tudo isso com bom humor e ironia que só ela.

Viver é mesmo uma coisa boa, estranha e difícil, tudo ao mesmo tempo; e quanto mais eu me dou conta disso, mais eu agradeço por poder dar as mãos para a arte e tê-la como recurso de sobrevivência. Um verdadeiro alívio para quem já provou do tédio e do pavor que é estar vivo em algum nível. O quão estranho e bonito é ter artistas como Rita Lee que nos salvam de nossas próprias sombras sem sequer imaginar? Eles dividem sua genialidade com o mundo e emprestam sua arte feito remédio que cura dos mais variados tipos de desafetos. Quando falamos de uma mulher que não cabia em qualquer das caixinhas que a tentaram colocar, falamos também de história e política.

A gente até desconfia do que acontece ”do lado de lá”, mas não tem certeza nenhuma. O meu palpite é que Rita não pode ler isso aqui e que, se pudesse, talvez até me achasse careta demais (porque eu sou bastante). Mas queria mesmo é que ela soubesse o quanto foi (e continuará sendo) fonte de inspiração, coragem e acolhimento. Que meus filhos saberão quem ela foi, porque aqueles que ousam criar um legado merecem que nós, meros mortais, tenhamos a gentileza de passa-lo adiante.

Que sorte ter vivido na mesma época que você. Que alegria entender o valor de tudo que você escreveu e cantou. Desejo ser um pouco Rita Lee sempre que possível. E enquanto eu estiver viva, Rita viverá através da minha existência, pois sua arte torna a minha trajetória bem mais legal.

Quando uma grande referência nossa morre, parte de nós se vai junto a ela, mas parte dela fica conosco. Se isso não é uma das coisas mais belas sobre a vida, eu não sei o que é.

”E eu lá sou mulher de fazer back-up? Perdi tudo, foda-se eu”.

Júlia Groppo

Por julia às 09.05.23 Comentários

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